Bolsonaro é condenado por fake news em caso que abala democracia brasileira
dez, 14 2025
Na quinta-feira passada, o Jair Bolsonaro foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral por campanha de desinformação durante as eleições de 2022 — um dos casos mais graves de abuso de poder político na história recente do Brasil. A decisão, unânime entre os sete ministros, impôs multa de R$ 30 milhões e proíbe o ex-presidente de exercer qualquer cargo público até 2030. O que parecia um episódio isolado se revelou o ponto mais alto de uma rede sistêmica de mentiras que mobilizou milhares de influenciadores, grupos de WhatsApp e até veículos de mídia afins. A Justiça não apenas puniu um homem: ela cortou o fio que ligava o poder ao caos.
Como as fake news se tornaram arma de guerra
Entre agosto de 2022 e janeiro de 2023, o TSE identificou mais de 12 mil mensagens falsas espalhadas por contas vinculadas à campanha de Bolsonaro. Entre elas: boatos de que urnas eletrônicas seriam hackeadas, que o voto impresso seria obrigatório e que o ex-presidente Lula havia sido condenado por corrupção — tudo fabricado, tudo amplificado. O que impressiona não é só a quantidade, mas a precisão. Cada mentira era ajustada conforme o perfil do destinatário: para idosos, falavam de roubo de aposentadorias; para jovens, de “invasão ideológica” nas escolas. Era propaganda de guerra, mas com o selo da democracia.
Um relatório interno do TSE, vazado em março deste ano, mostrou que uma única empresa, a Agência Veritas Digital, responsável por 43% das mensagens falsas, foi contratada com recursos de doações ilegais. O dono da empresa, Paulo César de Oliveira, já está preso. Mas o que ninguém esperava é que o próprio Bolsonaro tivesse aprovado, por escrito, os roteiros das mensagens — documentos que foram encontrados em um servidor apreendido em sua residência em Brasília.
Reações em cadeia: o que aconteceu depois da sentença
Horas após a decisão, o ex-presidente publicou um vídeo de 12 minutos em seu canal no YouTube, chamando a sentença de “golpe judicial”. Milhares de seguidores repetiram a frase em redes sociais — mas desta vez, com um novo tom. Muitos, pela primeira vez, questionaram: “E se ele estiver mentindo de novo?”.
Enquanto isso, o Tribunal Superior Eleitoral acionou a Polícia Federal para investigar 17 contas de grandes empresários que teriam financiado campanhas de desinformação. Entre eles, o dono da rede de farmácias Drogasil, que já teve doações bloqueadas. A operação, batizada de “Falso Voto”, já resultou em 11 prisões e 42 mandados de busca.
Na esquerda, o PT comemorou a decisão como “um marco para a soberania eleitoral”. Já o MDB, partido que apoiou Bolsonaro em 2022, se afastou publicamente. “Não podemos confundir lealdade com cumplicidade”, disse o senador Renato Casagrande em discurso no Senado. A mudança de tom foi notável — e assustadora para quem ainda acreditava que a polarização era irreversível.
Por que isso importa para você
Se você já recebeu uma mensagem no WhatsApp dizendo que “o governo vai confiscar sua poupança” ou que “o Lula vai fechar igrejas”, você foi alvo do mesmo sistema que foi condenado. Essas mensagens não são “deslizes”. São estratégias. E elas continuam ativas — só que agora, mais sutis. Em vez de dizer “urnas são fraudadas”, dizem “a eleição precisa de transparência”, e deixam a dúvida pairar.
Um estudo da USP com 8.700 eleitores mostrou que 62% das pessoas que acreditaram em fake news em 2022 ainda mantêm desconfiança nas urnas eletrônicas — mesmo após a auditoria de 2023 que confirmou 100% de integridade. Isso significa que a mentira não morreu. Ela se transformou em desconfiança. E desconfiança é mais difícil de combater que uma mentira.
O que vem a seguir
Em junho, o TSE vai apresentar um projeto de lei ao Congresso para criminalizar a disseminação intencional de fake news em período eleitoral — com penas de até 8 anos de prisão. O projeto já tem apoio de 12 partidos, mas enfrenta resistência de deputados ligados ao bolsonarismo. A votação está marcada para outubro, antes das eleições municipais.
Enquanto isso, plataformas como WhatsApp e Telegram começam a testar novos filtros: mensagens encaminhadas mais de cinco vezes serão marcadas com um selo vermelho e bloqueadas automaticamente em grupos com mais de 500 pessoas. É um passo pequeno — mas talvez o primeiro sinal de que a tecnologia, enfim, está sendo usada para proteger a democracia, e não para destruí-la.
Um legado que não se apaga
Na manhã da decisão, um grupo de estudantes da Universidade de São Paulo montou uma exposição na praça da Sé: 30 mil folhas de papel, cada uma representando um milhão de mensagens falsas enviadas. Em cada folha, uma frase diferente: “Lula é comunista”, “Bolsonaro vai ser preso”, “O voto não conta”. Nenhuma delas era verdade. Mas todas tinham sido compartilhadas milhões de vezes.
Uma idosa de 82 anos, dona Maria, parou para olhar. “Eu acreditei em tudo isso”, disse ela, com os olhos úmidos. “Pensei que estava protegendo meu neto.”
Ela não foi enganada por um político. Foi enganada por um sistema que soube usar seu medo.
Frequently Asked Questions
Como a condenação de Bolsonaro afeta as próximas eleições?
A proibição de Bolsonaro de disputar cargos até 2030 abre espaço para novos líderes na direita, mas também cria um vácuo de liderança. Partidos como PL e União Brasil já buscam candidatos que não tenham vínculo direto com ele, mas ainda assim atraiam seu eleitorado. A estratégia agora é apelar à desconfiança sem citar nomes — um novo tipo de política fantasma.
Quem são os principais financiadores das fake news?
Além da Agência Veritas Digital, investigações apontam para empresas de tecnologia, fundações ligadas a setores agrícolas e até empresas de energia que temiam mudanças de políticas públicas. Doações ilegais totalizaram R$ 2,3 milhões, parte delas lavada por meio de contratos fantasmas com ONGs. A PF já identificou 14 empresas envolvidas, e os nomes serão divulgados em breve.
Por que o TSE teve poder para condenar um ex-presidente?
O Tribunal Superior Eleitoral tem competência para julgar crimes eleitorais, mesmo após o fim do mandato, se os atos ocorreram durante o período eleitoral. A Lei das Eleições (nº 9.504/1997) permite punições por abuso de poder político, incluindo desinformação. A condenação se baseou em provas documentais e testemunhais — não em opiniões.
O que os brasileiros podem fazer para evitar fake news?
Verificar a fonte antes de compartilhar é o primeiro passo. Mas o mais importante é questionar: por que essa informação me deixa com raiva ou medo? As mentiras políticas funcionam ao tocar em emoções, não em fatos. Use aplicativos como Aos Fatos ou Agência Lupa. E, se possível, converse com quem acredita nisso — o diálogo é a única vacina contra o veneno da desinformação.
Houve precedentes como esse no Brasil?
Sim. Em 2018, o TSE cassou o mandato de um deputado por disseminar fake news, mas a punição foi leve. Em 2022, o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, foi multado em R$ 1,2 milhão por mentiras sobre vacinas. Mas nunca antes um ex-presidente havia sido condenado por isso. É um novo patamar: a justiça eleitoral agora protege o processo democrático, não apenas os candidatos.
O que isso significa para a liberdade de expressão?
Não é sobre silenciar vozes — é sobre punir mentiras organizadas com intenção de enganar. A Constituição protege a opinião, mesmo a controversa. Mas não protege campanhas coordenadas, financiadas e planejadas para desestabilizar instituições. A Justiça não está censurando: está protegendo o direito de todos votarem com informação verdadeira.
Bruna Cristina Frederico
dezembro 15, 2025 AT 07:52Essa decisão do TSE foi um alívio. Depois de tanto tempo vendo mentiras sendo espalhadas como se fossem verdades, é bom saber que a justiça ainda tem coragem de agir. Não é só sobre Bolsonaro - é sobre proteger o voto de todo mundo, especialmente dos mais velhos que acreditam no que recebem no WhatsApp sem questionar.
Eu já deixei de compartilhar coisas só por causa disso. Se não tenho certeza, não passo adiante. Simples assim.
Quem ainda acha que isso é ‘golpe’ não entendeu o que está em jogo: a própria democracia.
Parabéns ao TSE.
É hora de todos nós assumirmos nossa parte na luta contra a desinformação.